Caarj pede recuperação judicial; jurisprudência sobre o tema é conflitante
Por: Sérgio Rodas
Fonte: Consultor Jurídico
A OAB-RJ anunciou, em 28 de julho, a adoção de uma medida judicial
preparatória à recuperação judicial da Caixa de Assistência da Advocacia do
Estado do Rio de Janeiro (Caarj). A iniciativa busca tirar a Caarj do status de
superendividada e garantir a continuidade dos serviços assistenciais prestados à
advocacia fluminense.
Especialistas e a jurisprudência dos tribunais, todavia, divergem sobre a
possibilidade de uma caixa de assistência de advogados se submeter a
recuperação judicial. Ainda assim, há consenso de que essas entidades podem
pedir medidas judiciais que ajudem a evitar sua insolvência.
A OAB-RJ e a Caarj identificaram uma dívida de aproximadamente R$ 134
milhões da entidade. A ausência de repasses das custas judiciais desde o início
do ano agravou ainda mais a situação financeira, comprometendo os acordos
firmados com credores e colocando em risco o patrimônio da instituição.
No dia 6 de agosto, a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro concedeu liminar
favorável à suspensão das execuções em curso contra a Caarj. Em seguida, a
OAB-RJ iniciou um processo de mediação na Fundação Getulio Vargas para
viabilizar um acordo com os credores que possibilite o pagamento das dívidas
sem interromper os programas de assistência da Caarj.
“Estamos lidando com uma situação delicada e que exige total transparência
com a advocacia. Esta medida judicial foi a única alternativa possível diante da
magnitude da dívida e da falta de receitas. Já há leilões de imóveis da Caarj
marcados para agosto, o que nos obriga a agir com firmeza. Sem essa
recuperação judicial, essa dívida vai se tornar impagável. O objetivo da medida
judicial é negociar com os credores de forma responsável, com boa-fé, para
preservar a Caarj, que tem um papel assistencial fundamental para a classe”,
afirmou a presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basilio.
Ela também destacou o esforço conjunto da gestão para preservar os serviços
da Caixa, mesmo com severas limitações orçamentárias. Apesar da alta
inadimplência e da escassez de receitas, a OAB-RJ está promovendo cortes e
economias em diversas frentes para continuar oferecendo parte dos serviços
que caberiam à Caarj.
O tesoureiro da OAB-RJ, Fábio Nogueira, reforçou a necessidade da medida
e destacou que a ação visa impedir danos ainda maiores à estrutura da Caixa.
“Estamos diante de um passivo descoberto de aproximadamente R$ 32
milhões, porém confiantes de que conseguiremos o deferimento da liminar para
preservar os ativos da entidade e manter, ainda que parcialmente, os serviços
prestados à advocacia”, explicou Nogueira.
Até o dia 15 de agosto, foram feitas cerca de 30 sessões de mediação com
credores. Mais 15 reuniões estão agendadas para os próximos dias.
Jurisprudência conflitante
Não há consenso se a Justiça pode autorizar recuperação judicial de caixa de
assistência da advocacia. Há precedentes que autorizam a recuperação judicial
de associações civis sem fins lucrativos, como os casos das entidades de ensino
Fundação Cândido Mendes e Grupo Metodista. E há decisões proibindo a
medida. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que associações
e fundações civis sem fins lucrativos não preenchem os requisitos legais para
pedir recuperação.
Para fundamentar seu pedido, a Caarj alega que, embora seja formalmente uma
associação civil sem fins lucrativos, isso não impede a concessão de liminar (e
posteriormente uma recuperação judicial), pois desenvolve atividade econômica
organizada, com geração de empregos e circulação de riquezas, aponta
Andressa Kassardjian Codjaian, advogada de Direito Empresarial Cível do
PGLaw.
E a jurisprudência já admite, em casos semelhantes, a aplicação do regime de
reestruturação a entidades dessa natureza. Andressa corrobora o argumento da
Caarj de que, mesmo que o juízo não entenda ser possível a recuperação judicial,
permanece viável a concessão da medida com base na aplicação analógica da
legislação falimentar ao processo de insolvência civil.
Ao conceder a liminar, o juiz da 2ª Vara Empresarial do Rio afirmou que a
“Caarj possui natureza jurídica de pessoa jurídica de Direito Privado, atuando,
de certa forma, como operadora de plano de saúde”. “Em futura recuperação
judicial, será possível analisar o aspecto empresarial da atividade, o que, a
princípio, se verifica, nada obstando o deferimento liminar das medidas
pleiteadas.”
Dúvida sobre recuperação
Domingos Refinetti, sócio da área de contencioso judicial estratégico do WK
Advogados, afirma ser difícil enquadrar as caixas de assistência dos advogados
como agentes econômicos ou exercentes de atividade econômica, com intuito
de lucro, para qualificá-las como sociedades empresariais.
A Lei de Falências (Lei 11.101/2005) exige a finalidade lucrativa para a
recuperação judicial (artigo 1º). Também excluiu do procedimento as entidades
de previdência complementar, atividade em grande parte desenvolvida pelas
caixas, conforme previsto no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que atua
nos campos de saúde, previdência e assistência social.
Apesar de terem autonomia formal, as caixas de assistência dos advogados são
órgãos do conselho seccional. Portanto, integram a estrutura maior da OAB e
se sujeitam à sua supervisão, segundo Refinetti.
“Tanto que, em caso de extinção ou desativação da caixa, seu patrimônio se
incorpora ao do conselho seccional, o que reforça, caso se verifique patrimônio
negativo, a lógica de liquidação é interna (extrajudicial), e não de recuperação
judicial. É preciso ressaltar que a recuperação judicial pode trazer como
consequência a falência da sociedade que a requer, o que tampouco parece se
coadunar com a natureza de uma caixa de assistência”, avalia o advogado.
“Embora a jurisprudência e parte da doutrina tenham buscado ampliar a
legitimidade ativa para o requerimento de recuperação judicial às cooperativas,
às associações, às fundações, às operadoras de planos de saúde e às
universidades (tema que parece-me ainda bastante controvertido e irresoluto de
forma definitiva), entendo que, mesmo levando em consideração tal esforço,
essa tese não deveria alcançar as caixas de assistência, especialmente diante de
sua natureza jurídica e do vínculo orgânico com a OAB”, opina Refinetti.
Ele menciona a controvérsia sobre a competência para apreciar pedidos
relacionados às caixas de assistência. Existem precedentes que atribuem tal
competência à Justiça estadual. Porém, o STJ já decidiu que, por serem órgãos
vinculados diretamente à OAB e prestarem serviços públicos, as caixas de
assistência estariam sujeitas à competência da Justiça Federal (Conflitos de
Competência 36.557; 38.230 e 39.975).
OAB não pode
Há dúvidas sobre a possibilidade da Caarj se submeter à recuperação judicial,
mas não quanto à OAB-RJ, opinam especialistas.
Afinal, a OAB é uma autarquia, isto é, uma entidade administrativa autônoma,
criada por lei, com personalidade jurídica de Direito Público e patrimônio
próprio. E o artigo 2º da Lei de Falências proíbe o pedido de recuperação
judicial de empresas públicas.
Processo 0909422-92.2025.8.19.0001